Aquecimento Global e O Pobre
Golpe duplo: O Pobre e o Aquecimento Global
Grande parte do território da Holanda está abaixo do nível médio das águas do mar (abreviadamente, nível do mar). Por isso, o governo desta nação rica gastará triliões de dólares para construir protecção costeira, enquanto, por outro lado, ninguém planeia proteger milhões de pessoas igualmente ameaçadas pelo mar, no Bangladesh. Este é apenas um dos muitos exemplos de como O Pobre será mais duramente atingido pelo golpe duplo da pobreza e das alterações climáticas.
As alterações climáticas são globais, e O Pobre é o mais afectado
O aquecimento global causado pelo Homem é um desastre que atingirá o planeta Terra com cada vez mais intensidade, durante este século. Algumas regiões frias podem beneficiar com o tempo mais quente, mas quase todas as nações sentirão os efeitos negativos das alterações climáticas. Portanto, o desastre não nos atingirá a todos da mesma maneira.
A gravidade dos efeitos não está apenas relacionada com a geografia. O Pobre irá, onde quer que ele ou ela viva, ser mais duramente atingido do que o abastado. Para O Pobre, a pobreza e as alterações climáticas constituem um golpe duplo.
O fim do maravilhoso Titanic
O Titanic era o maior e mais moderno navio de passageiros alguma vez construído, a nível mundial. Na sua viagem inaugural, em 1912, o navio navegava de Inglaterra para os EUA. A bordo estavam 2224 pessoas. Nos conveses superiores seguiam os passageiros de primeira classe, que desfrutavam de cabines espaçosas, excelentes refeições, e uma orquestra para entretenimento. Amontoados nos conveses inferiores, abaixo do nível do mar, seguiam pobres emigrantes Europeus, a caminho de uma nova vida na América. O capitão acreditava que este navio gigante era inafundável. Apesar das advertências, ele navegava a todo o vapor através das águas geladas, quando atingiu um icebergue. O Titanic tinha botes salva-vidas para apenas 700 pessoas. Os passageiros de primeira classe foram os primeiros a ocupar os escassos botes salva-vidas. A maioria deles sobreviveu, enquanto 1500 passageiros de classe inferior e marinheiros se afogaram.
O nosso maravilhoso mundo moderno
Tal como se dizia sobre o Titanic, há 100 anos, diz-se que o nosso mundo é moderno e capaz de infinitas maravilhas. Podemos extrair gás usando a nova técnica de fracturamento hidráulico. Podemos derreter areias betuminosas no Canadá e transformá-las em combustível. As fábricas de automóveis produzem mais veículos do que nunca. As redes rodoviárias estão em expansão. Os abastados desfrutam de luxos inexistentes em séculos passados. Eles podem viajar confortavelmente pelo mundo. Eles podem ter mansões em vários países, acesso aos melhores médicos do mundo, e muito mais, com o que as pessoas comuns dificilmente podem sonhar. Um bilião de pobres, no mesmo mundo, vive à beira de morrer de fome. Para eles, até um pequeno acidente pode ser mortal.
Economistas, comentadores nos meios de comunicação social e políticos de muitos partidos dizem-nos que o mercado livre e não regulamentado promove o crescimento económico e o aumento do consumo, que é considerado o objectivo final da humanidade. Eles afirmam que o crescimento resolverá todos os problemas. Com o crescimento, os pobres obterão empregos e, se eles se interessarem em trabalhar afincadamente, podem sair da pobreza. Portanto, o crescimento económico é mais importante do que tentar deter as alterações climáticas. Estes formadores de opinião dizem-nos que, quando o aquecimento global piorar, o mercado resolverá o problema, bastando para isso que a economia esteja forte e em crescimento. Eles indicam que, no passado, a tecnologia e a livre iniciativa resolveram muitos problemas. Em suma, eles querem que não nos preocupemos com as alterações climáticas.
Alguns desastres recentes
A cidade de New Orleans sofreu uma inundação em 2005, quando o Furacão Katrina destruiu os seus diques. As pessoas ricas fugiram nos seus automóveis, enquanto os habitantes pobres, e na sua maioria negros, não puderam escapar. Eles tiveram de procurar refúgio no estádio local. Lá, permaneceram fechados durante muitos dias, com pouca água e comida, enquanto as agências governamentais estavam completamente impreparadas para os ajudar. Desde essa altura, muitos tiveram de sair da cidade, sem poderem recuperar das perdas que sofreram.
O Haiti é uma das nações mais pobres do mundo. Quando foi atingido por um terremoto, em 2011, muitas casas mal construídas ruíram, na capital, Port au Prince. Mais de 300 000 pessoas morreram. Um pequeno grupo de pessoas ricas tinha casas mais resistentes e teve mais sorte. A ajuda de emergência chegou lentamente, vinda de outros países. Dois anos depois, um milhão de Haitianos pobres ainda permanece como sem-abrigo.
No mesmo ano, a seca e a fome atingiram o Corno de África. Dezenas de milhares de Somalis morreram de fome. A Somália é extremamente pobre e não tem um governo estável desde 1991.
Durante a seca na Austrália, de 2001 a 2011, as pessoas não morrem de fome e o governo deu aos agricultores afectados 4,5 biliões de dólares em assistência. Isso foi possível porque a Austrália é uma das nações mais ricas do mundo.
O desastre da subida dos níveis do mar
Os cientistas do clima observam que os níveis do mar estão a subir, e continuarão a subir, em consequência do aquecimento global. Os níveis do mar sobem, porque os glaciares polares e das montanhas altas estão a derreter, e porque a água quente tem um volume maior do que a água fria. Os cientistas não têm certezas sobre a velocidade de subida das águas do mar. Terá o mar subido meio, 1, 2 ou 3 metros, em 2100? Mesmo que o nível do mar suba “apenas” meio metro, pode ser muito perigoso, especialmente porque um clima mais quente criará tempestades mais violentas, que aumentarão ainda mais o risco de inundação em zonas costeiras.
As nações ricas já se estão a preparar. Grande parte do território da Holanda encontra-se abaixo do nível do mar, protegido por vastos diques. Os Holandeses estão a planear investir triliões de dólares, durante as próximas décadas, para preservar o seu país, através do reforço dos diques. Eles têm os melhores engenheiros do mundo, e uma população altamente educada. A Holanda é uma das nações mais ricas do mundo, e por isso será capaz de enfrentar a subida do mar durante muitos anos.
O Bangladesh é uma das nações mais pobres do mundo. A maior parte do território do país está poucos metros acima do nível do mar. 150 milhões de pessoas vivem numa pequena área de delta do rio, que está a ser muito duramente atingida pela subida dos níveis do mar. Num futuro não muito distante, muitos habitantes serão forçados a fugir do seu país, pois a maior parte dele estará submersa. Ninguém está a planear investir em protecção costeira que poderia (durante algum tempo) salvar o país.
As segundas maiores comportas do mundo protegem a cidade de Londres. Eles precisarão de ser reforçadas, para proteger a cidade da subida do mar. Grande parte da Cidade de Nova Iorque está pouco acima do nível do mar, e está em risco, quando a subida dos níveis do mar e os furacões se tornarem mais poderosos. Têm sido propostas comportas com custos na ordem das centenas de biliões de dólares.
Alexandria, Luanda, Maputo, Lagos e a cidade de Ho Chi Minh também são cidades a baixa altitude, junto ao oceano. Mas estas cidades pobres não terão os meios para se protegerem contra futuras inundações.
O desastre de deixar de haver água
A Arábia Saudita é um país desértico, que usa um pouco da sua vasta riqueza em petróleo para produzir grandes quantidades de água potável a partir de água do mar. Uma grande quantidade de petróleo é queimada no processo, contribuindo para o aquecimento global. No entanto, este país muito rico, produtor de petróleo, obtém a água de que necessita.
Os glaciares dos Andes estão a derreter devido ao aumento das temperaturas. Quando os glaciares se extinguirem, Lima, a capital do Peru, com 10 milhões de habitantes, deixará de ter uma fonte de água segura disponível durante todo o ano. O rico poderá pagar por água boa, mas O Pobre não.
Actualmente, 800 milhões de pessoas pobres não têm acesso a água potável. Quando as temperaturas subirem, a nível mundial, o número de pessoas que sofrem de escassez de água continuará a crescer. Os ricos não sofrerão muito. Já na actualidade, é enviada água engarrafada em navios para várias partes do globo. Tanto nos EUA como na Europa, pode-se comprar água das Ilhas Fiji, situadas no Pacífico Sul. Pode-se encontrar água engarrafada Francesa cara em prateleiras de supermercados nas ilhas da Nova Zelândia, no Pacífico Sul, a 20.000 km de França.
Em 2010, 20 milhões de pessoas foram directamente afectadas, quando uma forte chuva de monção inundou grande parte das terras agrícolas do Paquistão. Essas chuvas fortes tornar-se-ão mais frequentes, à medida que a Terra se for tornando mais quente. A falta de água será, no entanto, um problema ainda maior no Paquistão, pois este país depende da água do rio Indo. Como a maior parte dos glaciares das montanhas dos Himalaias derreterá, haverá durante algumas décadas demasiada água no rio, quando houver uma forte chuva de monção. Mas quando se extinguirem os glaciares, a água deixada pelas enchentes diminuirá durante a estação seca, levando a severa escassez de água durante parte do ano.
Muitos pobres são actualmente obrigados a beber água suja, malcheirosa e perigosa, porque essa é a única água que conseguem obter. Eles sabem que essa água não é boa, mas não dispõem de recursos para a ferver ou tratar com produtos químicos.
Quando fugir é a única opção
Quando a seca prolongada atinge a sua região, as pessoas têm de se deslocar, para poderem sobreviver. Muitas migrações têm sido causadas por desastres naturais, como a seca. Quando o Saara se tornou num deserto, há milhares de anos, as pessoas fugiram para as margens verdejantes do rio Nilo e iniciaram a agricultura de irrigação.
Mas para onde podem as pessoas ir agora, quando seca as obriga a migrar? Uma recente seca na Somália obrigou dezenas de milhar de pessoas a fugir para o Quénia, causando muita tensão política. Irão as nações do norte da Europa, a Rússia e o Canadá abrir as portas a um grande número de pobres, refugiados devido ao clima, vindos de países devastados pela seca e pelo calor?
Isso parece improvável. Actualmente, as nações constroem muros cada vez mais altos e aumentam a segurança nas fronteiras, para manter do lado de fora os migrantes económicos, que são chamados de “ilegais” quando atravessam as fronteiras sem a documentação adequada.
Uma seca prolongada em África ou na Ásia poderia causar mais refugiados do que qualquer acontecimento que já tenhamos visto antes. O abastado poderá apanhar um avião que o leve para outro continente, mas e O Pobre?
Eles afirmam que só podemos lutar contra a pobreza
O economista Dinamarquês Bjorn Lomborg tornou-se uma celebridade entre os negacionistas das alterações climáticas. Ele argumenta que os países ricos não deviam gastar o seu dinheiro no abrandamento das alterações climáticas; em vez disso, deviam gastar os limitados fundos disponíveis em estratégias para acabar com a pobreza.
Muitos políticos e grandes empresas mantêm opiniões semelhantes. Mesmo quando não o dizem abertamente, pode-se perceber, pela sua falta de acção no sentido de travar as alterações climáticas, e pelas suas políticas económicas. O vazio do argumento de Lomborg torna-se ainda mais evidente quando, em nome da austeridade, os governos cortam os gastos em ajuda ao desenvolvimento.
Seria maravilhoso se as nações ricas aumentassem os gastos com a assistência aos pobres, tal como prometeram em muitos fóruns internacionais. Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, das Nações Unidas, deveriam ser alcançados em 2015; a intenção era pôr fim à pobreza absoluta. Os objectivos não serão alcançados. Em alguns países, o número de pobres até está a aumentar. Mas mesmo se a pobreza absoluta, do bilião de pessoas mais pobres do mundo, fosse eliminada, viveríamos num mundo em que 80% das pessoas vivem com 10 dólares ou menos por dia.
O golpe duplo
Para a maior parte da humanidade, que já é afectada por ter acesso a poucos recursos, os desastres do aquecimento global serão um golpe duplo que poderá muito rapidamente lançá-los na pobreza desesperada ou até mortal.
Quando a chuva falhar, O Pobre morrerá de fome. Quando houver inundações, a residência do Pobre será a primeira a ser inundada. Quando não houver água, O Pobre sofrerá com a sede. Quando a fuga for a única opção, O Pobre não terá para onde ir.